sexta-feira, 13 de dezembro de 2013

Será grave aprender a ler e escrever mais tarde? A opinião da Pedagogia Waldorf


Muitos pais ficam alarmados quando os seus filhos não aprendem rapidamente a ler ou escrever. E quando na escola os professores comentam "Parece que temos aqui um problema", então o alarme pode transformar-se em drama familiar.

Recorre-se rapidamente a entrevistas com psicólogos, testes, exames médicos, e finalmente aplicam-se planos de reforço ou coadjuvação do ensino. Mas será tudo isto realmente necessário?

A aprendizagem da língua materna e da aritmética são certamente pilares fundamentais da escolaridade. Mas conforme a nossa atual cultura tecnocrata, burocrática e "computocrática" exige cada vez mais uma competência prematura para "legibilidade" em todos os processos da vida, o adestramento literário ganhou um peso desproporcional e doentio no mundo da escolaridade inicial.

As crianças diferem grandemente entre si nas suas habilidades para aprender a ler. Algumas, consideradas minigénios, apresentam-se no seu primeiro dia de aulas prontas para demonstrar a toda a gente que "já sei ler e escrever", enquanto que outras escondem-se envergonhadas por não saberem nem desenhar muito bem um círculo para formar um "O". A aprendizagem da leitura não é nenhum procedimento técnico sistemático, mas sim um processo onde decorrem complexas interações sensoriais e intelectuais. Graças à moderna investigação médica, sabemos agora cada vez mais acerca da complexidade de tudo isso.

Personalidades de renome internacional na área das investigações neurocerebrais, como, por exemplo, Ernst Pöppel e Manfred Spitzer, estão a expor ao mundo a realidade de que o processo de aprender a ler é para uma criança de tenra idade algo profundamente não natural para o seu cérebro. Isto pode explicar em muitos casos aversões irracionais sentidas por alunos ou até mesmo o desastroso abandono precoce da caminhada escolar. Ao longo da evolução, o cérebro humano desenvolveu estruturas que em princípio seriam ideais para aprender a ler. Mas esse mesmo cérebro faz uma declaração aberta de antipatia perante o desafio de aprender a ler na idade infantil! O processo de ler pode mesmo provocar um bloqueio na capacidade de aprender sem esforço, e no prazer de recolher e processar informações. Assim, quando pretendemos auxiliar crianças com dificuldade de leitura, devíamos desde já tomar em conta estas descobertas da moderna investigação neurocerebral.

A capacidade de absorver informações escritas depende acima de tudo da capacidade de concentração. Sem a mesma, qualquer coisa captada pelos olhos em termos de leitura tende a permanecer nebulosa e incompreensível (veja-se o pavoroso analfabetismo funcional que, segundo o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento - PNUD - de 2005, demonstrava que quase metade da população portuguesa não percebe o que lê ou tem dificuldade em entender completamente as informações que recebe). As crianças que não aprenderam previamente a concentrar-se, demonstram na escola uma quase automática dificuldade na aprendizagem da leitura. O filósofo Rudolf Steiner, inaugurador da Pedagogia Waldorf, expressou-se já em 1921 a esse respeito com as seguintes palavras: "Ensinar as crianças a ler e escrever da maneira despreparada que hoje se pratica significa basicamente introduzir as crianças de maneira totalmente artificial a algo que é estranho para elas."

Na Pedagogia Waldorf não há avaliações nem preparações prévias para a aprendizagem escolar, e a escritura é inicialmente aprendida através de um procedimento que envolve muita arte: fazem-se inúmeros exercícios de desenhar e pintar, treina-se a recitação oral e também as habilidades musicais. Ensina-se assim às crianças o escrever primeiramente a partir de uma captação artística das letras, e em seguida passa-se para a leitura a partir da escritura. Este processo baseia-se sobretudo nos exercícios de desenho de formas, durante os quais as crianças aprendem a compreender as nuances presentes em formas livres ou geométricas. A partir disto, elas irão alcançar uma criatividade autónoma para tais processos. A antropologia educacional profunda presente neste procedimento consiste na educação dos sentidos, para mais tarde compreender as formas das letras e saber reproduzi-las.

Que papel terá aqui a desempenhar a musicalidade? A Pedagogia Waldorf desenvolve uma combinação de musicalidade-vocalidade muito específica. Quando uma criança aprende a sentir a sua voz e avaliar o próprio timbre, ela estará mais bem preparada para compreender, no momento certo do seu crescimento, a musicalidade intrínseca das palavras. Muitas crianças não conseguem inicialmente diferenciar perfeitamente as vocalizações de "s" e "f" (como em "sinal" e "final"), mas com o auxílio de exercícios de recitação associados a canto, este e outros tipos de limitações são compensados desde muito cedo.

Numa escola Waldorf, após as crianças aprenderem a desenhar as formas artísticas isoladas das letras, é exercitada intensamente a capacidade de escrever, antes de se passar à leitura daquilo que a própria criança escreveu. No caso de crianças que neste estágio ainda não conseguem ler, o processo fica facilitado por exercícios de escritura de textos que previamente foram aprendidos a vocalizar de cor. A leitura de textos desconhecidos, impressos em livros ou revistas, ou aparelhos eletrónicos, é expressamente deixada para mais tarde. Se pais e professores não se deixarem afligir ou iludir pelo aparente "atraso" de uma criança, as competências em leitura e escritura podem depois serem facilmente alcançadas ao final do 2.º ano de escolaridade, sem esforço e sem a aplicação de intervenções artificiais.

Naturalmente, sempre há crianças que mesmo no final do 2.º ano ainda não dominam a arte da leitura, e que em comparação com outras também são insuficientes quanto à escrita. Geralmente é aqui que o sistema de ensino tradicional começa a designar tudo como uma "insuficiência séria e preocupante". Para a Pedagogia Waldorf, uma habilidade tardia em saber ler é na realidade muito menos grave do que forçar uma aprendizagem prematura da leitura. O procedimento de leitura exige uma aplicação de energias intelectuais. Mas se estas não estiverem já presentes de modo inato na criança, esse esforço deve ser evitado no primeiro seténio (os primeiros sete anos de vida), caso contrário a solicitação reforçada de atividade mental irá enfraquecer a saúde física e o equilíbrio anímico, que são precisamente o fundamento para uma ulterior metamorfose das faculdades mentais.

Há atualmente uma infinidade de métodos e exercícios (desde livros, manuais e baterias, até programas para computadores) para o treino precoce da leitura. Tudo isto baseia-se numa infeliz conceção educacional que reza que as futuras "aptidões" do adulto devem ser exercitadas o mais cedo possível. O desastroso provérbio "É de pequenino que se torce o pepino" demonstra com sabor folclórico a presença desta falácia, até no mais alto escalão do mundo educacional.

Sempre que são roubadas a uma criança energias que ainda não estão presentes congenitamente, a sua constituição física e anímica irá procurar compensar a perda dessas energias apelando a outros recantos da alma. Conforme a moderna ciência começa hoje a confirmar, um treinamento precoce da habilidade de ler pode ter em muitas crianças consequências negativas. Pais e educadores permanecem cegos para esta realidade, porque tais consequências só se irão apresentar num estágio posterior da vida, por exemplo na forma de uma pré-disposição para abstrações, o que por sua vez pode até explicar o aparecimento de estados escleróticos.

Conforme Rudolf Steiner explicou, as energias que tenham sido economizadas devido a uma aprendizagem tardia da leitura poderão inclusive revelar-se como positivas na vida adulta. Numerosas personalidades geniais em todo o mundo possuem na sua biografia um histórico de aprendizagem tardia da leitura e dificuldades com a escrita durante o período escolar. Na Pedagogia Waldorf não se tenta "fazer a relva crescer mais rápido puxando-a". Quando confrontado com uma criança que apresenta desvios da norma quanto à habilidade de ler e escrever, um professor dedica-se antes de mais nada a compreender a totalidade da vida interior e exterior da criança, tanto na escola como no lar. Ele procurará descobrir objetivamente e intuitivamente que peculiaridades ou genialidades estão presentes em estado latente na criança, para ela ser como é. Em muitos casos, encontra-se auxílio numa ocupação artística, ou numa atividade física salutar, após o horário escolar. O efeito destas atividades é em muitos casos imediatamente sentido na escola.

Para alguns educadores e pais, tais atividades extracurriculares podem parecer supérfluas, custosas ou impertinentes. Mas uma observação mais detalhada da prática educacional nas escolas Waldorf (e a Pedagogia Waldorf está agora próxima de celebrar um centenário de existência, com uma interminável expansão por todo o Mundo) demonstrará que nas chamadas "crianças difíceis" está sempre presente algo de extremamente individual, singular e original, algo que pretende expressar-se de algum modo, e que clama por mais atenção do mundo ao seu redor. O professor procurará então sempre que possível proporcionar à criança um espaço protetor na sua classe, e uma adequada atmosfera social no seio da comunidade escolar. Isto não é fácil de realizar, pois geralmente tem que se lutar com coragem contra preconceitos, hábitos empedernidos e falsas propostas científicas carregadas de puro utilitarismo e cegueira quanto à essência do que é um ser humano.

Mas quem se dedica com amor, intensidade e compreensão a esse tipo de crianças terá em pouco tempo a confirmação de que elas possuem, em estado embrionário, energias extraordinárias ou aptidões específicas que serão mais tarde apreciadas pela sociedade. Elas poderão demonstrar, por exemplo, uma capacidade de compaixão maior perante terceiros, uma sensibilidade intuitiva para os pensamentos e sentimentos presentes no seu meio ambiente, e uma expressividade superior em termos de imaginação e fantasia.

RAUL GUERREIROProfessor Waldorf; Membro do Conselho Nacional Parental Waldorf da Alemanha; Membro da Amnesty International.

Artigo publicado em 11-06-2013
Fonte: http://www.educare.pt/testemunhos/artigo/ver/?id=12596&langid=1

Foto extraída em:http://www.coisademae.com/2013/04/alfabetizacao-precoce-por-que-a-pressa/

quinta-feira, 10 de outubro de 2013

Dia das Crianças Sem Consumismo. É de pequeno que se aprende.


Campanha "Dia das Crianças sem consumismo. É de pequeno que se aprende" do Movimento Infância Livre de Consumismo - O Jardim Alecrim Recife apoia esta iniciativa!

Queremos dar sempre o melhor para nossos filhos e o Dia das Crianças, tão esperado pelos pequenos, pela indústria e pelo comércio, é uma boa oportunidade para refletirmos sobre tudo aquilo de bom e de melhor que podemos oferecer às nossas crianças. É um bom momento para aprendermos a desconfiar daquele primeiro “eu quero” pronunciado efusivamente diante da televisão ou da prateleira das lojas de brinquedos.
Parece clichê, mas é fato que o de melhor que podemos dar aos nossos filhos não custa dinheiro, custa tempo e disponibilidade. Tempo com corpo, alma e coração presentes nos momentos com nossos filhos e disponibilidade para conhecê-los de verdade, assim como aos seus desejos. Nossa proposta é aproveitar o Dia das Crianças para pensar junto com as crianças sobre como diferenciar os nossos desejos genuínos e aqueles que são implantados pela publicidade.
A publicidade trabalha com sofisticadas pesquisas de mercado e age no nosso emocional focando as nossas vulnerabilidades. Raramente vemos um produto – para criança ou para adulto – que venda um atributo material: a publicidade atual vende atributos intangíveis, valores que muitas vezes correspondem às nossas lacunas pessoais. Então num anúncio de trem elétrico veremos a diversão da família sentada vivenciada no tapete da sala ao redor do brinquedo. E é isso que a criança quer: a diversão em família e não, necessariamente, o objeto anunciado.
O que está mais acessível? A vivência-brincadeira em família no chão da sala ou o objeto-brinquedo caro na prateleira da loja? Do que é mais fácil dispor? Tempo ou dinheiro?
Todo o marketing, todos os editoriais e todas as colunas de comportamento repetem que não temos tempo. E, acreditando que estamos sem tempo à nossa disposição, nos parece mais “fácil” trabalhar ainda mais para conseguir o dinheiro para comprar o objeto-brinquedo e satisfazer o suposto desejo da criança. E assim temos a tranquilidade de estar fazendo o melhor. Estamos mesmo?
É essa a proposta do Movimento Infância Livre de Consumismo para este Dia das Crianças: vamos trocar aquilo que está em qualquer prateleira pelo tempo de qualidade com nossos filhos. Vamos reduzir o número de objetos-brinquedo e vamos investir em vivências-brincadeira. Vamos ensinar às nossas crianças algo que mesmo nós, adultos, temos tido dificuldade de entender: que momentos vividos de corpo, alma e coração têm mais valor que os objetos promovidos na tevê.

E vamos aguçar os sentidos para perceber que estes momentos singulares e amorosos é que serão os que ficarão na memória dos pequenos para sempre!

terça-feira, 8 de outubro de 2013

Refletindo sobre o Brincar!

Crianças cavando um "rio" na caixa de areia - Jardim Alecrim Recife

O que está acontecendo com o modo de brincar das crianças?
Durante as últimas duas décadas, temos progressivamente corrompido o modo de brincar das crianças, assumindo o controle e alterando a cultura lúdica da infância.
Brincar é o portal da criança para o conhecimento de si mesma e do mundo
Ao reinventar a experiência brincando, ela dá significado e valor à confusão estonteante da vida. O bebê transforma todo objeto que toca em algo a ser sugado. Desse modo, passa a conhecer os limites de sugar e a natureza dos objetos. Pela imitação de papeis adultos no jogo dramático, o pré-escolar descobre novos potenciais e capacidades humanas. A criança em idade escolar transforma objetos lúdicos, como peças do jogo de damas ou de xadrez e bolas de futebol ou beisebol, em ferramentas valiosas de intercambio social. Todas essas reinvenções contribuem para que ela amplie sua compreensão da realidade pessoal e social.
Durante as últimas duas décadas, entretanto, temos progressivamente corrompido o modo de pensar das crianças. Temos feito isso assumindo o controle e alterando a cultura lúdica da infância. Até pouco tempo atrás, havia uma rica linguagem e um saber que eram exclusivos às crianças e que eram transmitidos pela tradição oral. Eles consistiam de jogos, piadas, charadas, superstições e encantamentos que foram sendo revistos pelas sucessivas gerações conforme as transformações nas circunstancias sociais. Hoje, contudo, poucas crianças conhecem canções como Rain, rain go away, come again another day (“Vá, vá embora, chuva, e volte no outro dia” – Canção tradicional inglesa da época da Rainha Elisabeth I). Elas também não entendem as palavras mágicas “Step on a crack and break you back” (“Pise numa rachadura e quebre a espinha”. Segundo a superstição, comum entre as crianças e originária do século XIX, pisar nas trilhas do calcamento dá azar). As crianças contemporâneas conhecem, sobretudo a cultura da Disney, Pokemón e Yogiyo, que nós, adultos, criamos para elas. Essa cultura lúdica virtual é desonesta porque, embora se apresente como brincadeira de criança, não é criada pelas próprias crianças.
Quando criamos brincadeiras para as crianças, principalmente para as pequenas, apropriamo-nos antecipadamente de seu crescimento. Nós as privamos das oportunidades de aprenderem a seu próprio modo e em seu próprio ritmo. Isso não quer dizer que não tentemos criar ou educar as crianças, mas apenas que o façamos de maneira que tenham sentido, que sejam significativas e motivadoras para elas.
Eis um bom exemplo de uma mãe, com todas as boas intenções, tentando interferir no modo de brincar de seu bebê (Greoline, 1972, p. 13):
“Uma jovem mãe senta-se junto ao berço de seu primeiro filho (para o segundo já há menos tempo) e observa como ele tenta diversas vezes colocar um cubo vermelho sobre um azul. Depois de certo tempo observando isso, ela pergunta: ‘E onde está aquela sua bonequinha adorável?’. A criança abandona os cubos, procura a boneca e começa a lamber o rosto dela, e fica lambendo, lambendo até a mãe trazer o urso para a cena. ‘Grr, grr, aí vem o velho urso’. A criança brinca com ele com as mãos e por fim mexe uma perna para cima e para baixo, até que, é claro, a mãe entedia-se e chama a atenção da criança para a bola. Educadamente, a criança deixa-se distrair pela terceira vez e brinca com a bola. Assim, a mãe passa uma tarde agradável e está totalmente inconsciente de como ela interfere na persistência e na capacidade de concentração de seu filho. Ela impede que ele se acostume a perseverar em uma atividade e a se ocupar inteiramente com alguma coisa durante um longo período de tempo”.
Isso é exatamente o que acontece quando os pais de hoje colocam uma criança em frente a uma tela de computador, ou lhes dão brinquedos que são tão programados que deixam pouco ou nenhum espaço para a criança explorá-lo em seu próprio ritmo e a seu próprio modo.
Efeitos do brincar virtual prematuro
Quando as crianças são introduzidas no mundo virtual ao mesmo tempo em que são expostas ao mundo real, ou até antes disso, brincar perde muitas de suas funções adaptativas. Compare-se um bebê que sacode um chocalho para ouvir um som com outro que aperta um botão para ouvir uma vaca mugir. No mundo real, sacudir um chocalho realmente faz barulho, mas apertar um botão não faz uma vaca mugir. Quando deixados com seus próprios recursos, os bebês descobrem o mundo físico real. Como declara Richard Hartacher (1967, p. 27):
“Para o bebê, os brinquedos são objetos experimentais totalmente apoéticos que servem para explorar os santificados domínios da física. A exploração da física, portanto, começa muito antes da escola secundária. Bola, chocalho, colher, tudo cai no chão. Mas o som é diferente a cada vez. Pela repetição contínua, o ouvido aprende a distinguir as diferentes qualidades do som produzido pelos diversos objetos”.
Aprender a operar no mundo virtual é, em certos aspectos, mais fácil do que aprender a operar o mundo real. Ligar a televisão é um caso pertinente. Contudo, grande parte do mundo da televisão não é  a realidade. O brincar virtual é corruptor porque impede a criança de adquirir muitas habilidades pessoais/sociais e o conhecimento físico que só pode ser obtido brincando-se no mundo real.
Quando os adultos assumem o controle sobre as brincadeiras e os jogos das crianças, eles necessariamente subtraem a capacidade delas de reinventar sua experiência. E é somente através dessa reinvenção que as crianças são capazes de extrair todos os benefícios do brincar para o desenvolvimento.
 A importância de “brincar de verdade”
A despeito das afirmações acerca dos benefícios do Lapware e de programas como Telletubbies, não existem dados que apóiem os benefícios intelectuais, sociais ou comportamentais desse tipo de atividade virtual. Na verdade, a maioria dos dados sugere que esses programas provavelmente fazem mais mal do que bem. Por exemplo, temos assistido Vila Sésamo há mais de 30 anos. As crianças de hoje conhecem números e letras em idade mais precoce do que nunca; porém, não estão aprendendo a ler ou fazer cálculos mais cedo e melhor do que crianças que nunca assistiram a Vila Sésamo. De fato, considerando-se o número de crianças que estão sendo retidas no jardim de infância porque ainda não têm habilidades, o aprendizado precoce pode estar tendo um efeito negativo.
Um estudo de Hirsch-Pasek (1991) é instrutivo a esse respeito. A pesquisadora comparou crianças que freqüentam pré-escolas acadêmicas com outras que freqüentam pré-escolas centradas nas crianças e orientadas a brincar. As crianças que freqüentavam as pré-escolas acadêmicas eram menos criativas e mais ansiosas do que as que freqüentavam as pré-escolas que davam ênfase ao brincar. Elas também gostavam menos da escola do que as crianças com as quais foram comparadas. Os pré-escolares ensinados academicamente sabiam números e letras melhor do que o grupo que brincava, mas essas vantagens eram dissipadas quando as crianças ingressavam no jardim de infância???
Um estudo mais recente, de Coolahan, Fantuzzo e Mendez (2000), oferece mais evidencias sobre a importância de brincar no mundo real para crianças dessa faixa etária. Esses pesquisadores constataram que as crianças que possuem competência para brincar com seus amigos participam mais ativamente das atividades em sala de aula do que as que carecem dessas habilidades. Na realidade, as crianças que são inaptas para brincar são destrutivas ao brincar com os amigos e tendem a apresentar problemas de conduta e hiperatividade na sala de aula. (Coolahan er al., 2000). Essas são as crianças que mais provavelmente se ocupam com o brincar virtual antes do real.
Evidências ainda mais convincentes da importância de brincar provêm de outros países ocidentais que fizeram experiências com instrução acadêmica precoce, contraposta ao brincar no mundo real. Um relatório da Comissão Real Britânica incluía o seguinte parágrafo (Commons, 2000, p 122-123):
“A comparação com outros países sugere que não existe benefício em iniciar a instrução formal antes dos seis anos. A maioria dos outros países europeus admite as crianças à escola aos seis ou sete anos, após um período de três anos de educação pré-escolar que se concentra no desenvolvimento social e físico. Entretanto, os padrões de leitura e escrita e a capacidade aritmética costumam ser mais elevados nesses países do que na Grã-Bretanha, a despeito de ingressarem na escola em idade mais precoce”.
Os efeitos de corromper o modo de brincar das crianças ficam mais evidentes quando elas ingressam na escola. Aí que a falta de habilidades pessoais, sociais e oriundas do brincar torna-se mais visível. Falta de respeito pelos professores, intimidações, trapaças e incapacidade de concentração por longos períodos são hoje lugar-comum. Esse novo ambiente social é, ao menos em parte, atribuível à ausência de experiência lúdica no mundo real. Conseqüentemente, grande parte do tempo do professor é atualmente dedicada à disciplina, em vez de dedicada à instrução. E isso em uma época em que as demandas acadêmicas são maiores do que em qualquer período anterior. Esta é apenas uma amostra das evidencias dos efeitos negativos de impor realidades virtuais criadas por adultos às crianças antes de elas terem lidado com o mundo real a seu próprio modo.
Com certeza, sempre existiu alguma realidade virtual nas vidas das crianças pequenas. Nos contos de fada infantis, existem animais que falam e que se comportam como humanos, como em Os Três Ursinhos ou Os Três Porquinhos. No entanto, essas histórias encontram correspondência no modo de pensar das crianças pequenas, pois estas projetam qualidades humanas sobre os animais, de modo que os contos de fada tendem a condizer com seu modo de pensar. Como Bettelheim deixou claro, muitos contos de fada possuem um efeito terapêutico. Os personagens da realidade virtual, contudo, são fantásticos e não coincidem realmente com o pensamento infantil. Um bebê com uma tela de televisão na barriga ou um homem-esponja não são personagens que as crianças evocariam sozinhas. E é questionável se esses personagens terapêuticos. A necessidade primordial dos bebês é estabelecer vínculos com adultos significativos, e não com figuras bidimensionais animadas.
Reformando o brincar das crianças
Os efeitos negativos de uma exposição prematura à realidade virtual são mais intensos nos primeiros anos de vida. Precisamos limitar o tempo que bebês e crianças pequenas passam em frente à televisão: no máximo duas horas por dia e, se possível menos do que isso. Um bom kit de blocos de madeira é um dos melhores brinquedos que podemos dar para uma criança pequena. Outros materiais plásticos, como tintas e argila, oferecem, às crianças a oportunidade de brincarem sozinhas.
As experiências no mundo real são muito importantes para as crianças pequenas. A jardinagem é uma grande atividade interessante, pois elas plantam e vêem as plantas crescerem. Passeios ao ar livre e visitas a museus e aquários também ajudam a colocar as crianças em contato com a natureza. Não vejo nenhuma justificativa para colocá-las em esportes organizados ou individuais durante os anos de pré-escola. Por outro lado, as crianças pequenas devem ter a oportunidade de brincar com os amigos a seu próprio modo e com suas invenções. Disponibilizar acessórios como roupas, chapéus e sapatos para serem utilizados por elas em representações teatrais também são muito úteis. Em faixas etárias mais avançadas, precisamos monitorar a televisão e o envolvimento com a Internet e insistir para que as crianças tenham períodos de intervalo a fim de brincar com seus próprios recursos. Estabelecer um horário semanal para brincar em família é outro modo de garantirmos que as crianças aprendam as habilidades sociais e intelectuais oriundas de brincar no mundo real, dedicado a jogar, fazer uma tranqüila refeição em família ou visitar um parque, museu ou zoológico.
O mundo virtual da tecnologia moderna está aqui para ficar, e as crianças certamente precisam aprender a viver e operar nele. Meu argumento é apenas que elas precisam aprender e operar no mundo real antes de começar a viver e lidar com o mundo virtual. É preciso ter raízes alem de asas. Brincar de verdade dá à crianças as raízes; o brincar virtual lhes dá suas asas. Elas precisam de ambas e na ordem certa.
David Elkind - Doutor em Psicologia Clínica e professor de Desenvolvimento da Criança na Tufts University, em Medford, MA (Estados Unidos).



quarta-feira, 2 de outubro de 2013

PRIMAVERA (por Augusto dos Anjos)


Primavera gentil dos meus amores, 
— Arca cerúlea de ilusões etéreas, 
Chova-te o Céu cintilações sidéreas 
E a terra chova no teu seio flores! 

Esplende, Primavera, os teus fulgores, 
Na auréola azul dos dias teus risonhos, 
Tu que sorveste o fel das minhas dores 
E me trouxeste o néctar dos teus sonhos! 

Cedo virá, porém, o triste outono, 
Os dias voltarão a ser tristonhos 
E tu hás de dormir eterno sono, 

Num sepulcro de rosas e de flores, 
Arca sagrada de cerúleos sonhos, 
Primavera gentil dos meus amores! 



Referência: Eu e outras poesias, LP&M, 2007, POA/RS


quinta-feira, 20 de junho de 2013

A Fogueira (Extraído do “Folclore Nacional”, de Alceu Maynard Araújo)



O fogo, na simbologia alquímica, representa o puro espírito, aquele que aquece, purifica e transforma. Ele está sempre presente em uma festa junina. Por meio dessa festa, as escolas Waldorf no Brasil procuram resgatar um pouco do folclore de nosso país.
O folclore exprime o agir, o sentir e o pensar do ser social. Segundo Gabriela Mistral, nele “encontramos tudo que é necessário como alimento ao espírito das crianças”. Seus valores são múltiplos:
Valor físico: a tradicional quadrilha e os jogos (pau-de-sebo, corrida do Saci, corrida de sacos, ovo na colher, corrida de três pés, tiro ao alvo, etc.) contribuem para a melhoria da coordenação motora.
Valor mental: as histórias, as canções e as danças desenvolvem a atenção, a imaginação e a memória.
Valor social: enquanto brincam de roda ou dançam, as pessoas estão num estado de unificação social, “caminhando juntas”.
Valor moral: ao organizar a festa e participar dela, estimulam-se a solidariedade, a coragem, a obediência, a iniciativa, o amor ao trabalho, a responsabilidade e disciplina.
Valor cultural: as tradições transmitem idéias e costumes de uma geração à outra.
Valor recreativo: o folclore oferece momentos de verdadeira recreação, atendendo aos interesses infantis, juvenis e adultos.
Valor terapêutico: participar de uma festa contribui para a eliminação de tensões nervosas e faz esquecer aborrecimentos.
Valor cívico: a criança passa a conhecer e a compreender o seu povo.
Valor religioso: por meio de canções, lendas, histórias, são transmitidas as mensagens do Evangelho.
Valor criativo: o individuo traduz o seu estado de alma na construção de barraquinhas, na confecção de bandeirinhas coloridas de papel seda, das lanterninhas, dos alimentos característicos e na preparação do vestuário típico.


Fonte: Insituto Mainumby. Festejar São João. Associação Comunitária Monte Azul.

sexta-feira, 17 de maio de 2013

A Festa da Lanterna



A Festa da Lanterna é uma festa de origem europeia. Lá, é comemorada no dia 11 de Novembro, dia de São Martinho. Foi introduzida no Brasil pela primeira Escola Waldorf de São Paulo, para o Jardim da Infância, na época de São João.

No hemisfério Sul, em Junho, estamos entrando no Inverno. Portanto, podemos dizer que essa é uma festa que prepara para a chegada do inverno, época que percebemos uma grande inspiração da terra, uma aquietação da natureza. O clima fica mais frio, a noite chega mais cedo, tudo favorece uma atitude de recolhimento e interiorização, de uma busca para dentro de nós mesmos, da luz que vive no nosso interior.

Em toda chegada de uma nova estação, buscamos direcionar novas atividades e assumir uma postura coerente com as qualidades que a época inspira. Imbuídos de sentimentos verdadeiros tornamos quase que tradutores dessas qualidades que a natureza emana.

Quanto menores as crianças, mais sutis serão nossos gestos, mais plenos de imagens serão os conteúdos trabalhados no dia a dia. O professor de Educação Infantil pode ser um grande poeta que utiliza intensamente as figuras de linguagem a favor das crianças, metaforizando aquilo que os pequenos só podem apreender (e aprender) pelas imagens.

Precisamos cuidar para que a cada época, a cada celebração possamos despertar aquilo que já está impregnado na alma humana e precisa, aos poucos, ser “acordado”.

Esse despertar é um processo natural da criança resultando num desenvolvimento individual, à medida que, repetidamente, povoamos de imagens seus corações. A celebração das festas anuais é um ótimo recurso de que nos valemos para possibilitar aos pequenos essas vivências que lhes alimentam a alma proporcionando sentimentos de alegria, amor, coragem, confiança e segurança diante do mundo.

A festa é preparada por integrantes da escola, inclusive pais e amigos. As crianças presenciam e participam com muito entusiasmo e a alegria da confecção das lanternas, aprendem músicas e escutam pequenas estórias e poesias relacionadas ao tema.

Os professores contam e podem até presentear as crianças com um lindo teatro da história “A menina da Lanterna”, cujas imagens mostram o caminho individual do homem em busca de luz interior. Os personagens do texto nos revelam âmbitos do ser humano que necessitem ser dominados, transformados e renovados. Lembremos que o fogo, desde os tempos mais remotos, é o elemento da natureza mais usado por todos os povos para simbolizar a transformação.

Durante a festa as crianças carregam suas lanternas passeando pelas áreas abertas da escola simbolizando essa luz interior: o fogo divino e transformador que todo o ser humano tem dentro de si. Trilhar esse caminho é uma prova de coragem e a lanterna acessa é um estímulo que pode ajudar os pequeninos. Caminhando juntos, todos cantam canções folclóricas que nos falam sobre o homem, sobre a natureza, sobre o céu e a Terra e suas relações.

É dever dos adultos, pais e professores, vivenciar a Festa da Lanterna com plena consciência trazendo as crianças, com veneração, os sentimentos belos, bons e verdadeiros pertinentes a essa época do ano.

Texto escrito por Sônia Maria Ruella (revisitado e adaptado por Maria de Fátima Cardoso)
Fonte: http://festascristas.com.br/sao-joao-batista/sao-joao-batista-textos-diversos/670-a-festa-da-lanterna-sonia-maria-ruella


terça-feira, 26 de março de 2013

Páscoa

   
Todos os anos, na época do outono, num jardim Waldorf, as crianças começam a se preparar para vivenciar intensamente a primeira das quatro festas anuais, a Páscoa. Elas cantam lindas músicas para o coelhinho da Páscoa; ouvem atentamente histórias sobre a lagarta e a borboleta; pintam ovos com muitas cores; preparam, com a professora, deliciosas roscas e pães. Todos esperam ansiosamente o domingo de Páscoa, quando sairão em busca dos ovinhos de chocolate escondidos pelos cantos da casa e do jardim. Nós, adultos, acompanhamos a alegria das crianças e inevitavelmente nos transportamos para as nossas próprias recordações de infância.

A Páscoa é uma festa repleta de imagens fortes e marcantes. Porém será que temos consciência do que há por trás destes símbolos? Será que sabemos nos preparar internamente para este momento tão importante?

Na tradição cristã, após os quarenta dias da quaresma e depois de refletir sobre os acontecimentos vivenciados por Jesus Cristo durante a Semana Santa (domingo de ramos, condenação da figueira, encontro com adversários no templo, unção, santa ceia, morte, descida ao reino dos mortos e ressurreição), os cristãos comemoram, no domingo de Páscoa, a glória da ressurreição de Cristo. Com sua paixão, morte e ressurreição, Cristo deixou-nos o precioso legado de uma nova vida após a morte, e quando seu corpo e sangue penetraram no mundo das profundezas, seu espírito possibilitou que a Terra, como um todo, se tornasse um novo centro de luz.

Dentro da pedagogia Waldorf, as crianças entram em contato com o sentido espiritual da Páscoa através de imagens transmitidas em histórias.

Por isso, durante a preparação das crianças para essa época, os educadores (pais e professores) devem ter claro dentro de si a possibilidade da vida, morte e ressurreição em hábitos, atitudes e modos de pensar. Se tivermos consciência da necessidade de cada um realizar este exercício interior, poderemos preparar coerentemente nossas crianças para a época da Páscoa e apresentar a elas símbolos repletos de significados. Só assim estaremos resgatando o real sentido da Páscoa.
 
O significado da Páscoa

A Páscoa não é uma festa totalmente terrestre. Ela depende de acontecimentos cósmicos. É comemorada no primeiro domingo após a primeira lua cheia que ocorrer depois do equinócio de outono, marcado pelo ingresso do Sol em Áries. Por isso não tem uma data fixa.

A Páscoa é sempre comemorada no domingo, mostrando uma relação com o Sol, astro que rege esse dia da semana. Também tem relação com a Lua cheia. Lembremos que a Lua não tem luz própria, refletindo a luz que recebe do Sol.

Então, a Páscoa nos remete diretamente à elevada entidade espiritual do Cristo. Intimamente ligada a forças solares, às forças da vida. Cristo venceu até mesmo a morte do corpo físico. Essa é uma imagem que podemos tomar como exemplo para nós e seguir um caminho de salvação da “alma”. A meu ver, esse caminho é da tentativa constante de compreensão do Mistério do Gólgota e da Ressurreição do Cristo, que nos leva a um encontro interior com este elevado ser. Isso não significa, necessariamente, seguir uma religião institucionalizada. Para mim, significa seguir um caminho religioso (religare) que nos leva para dentro de nós mesmos, interiorizado, através da persistência, dos estudos espirituais e da meditação.

A Páscoa nos aproxima, pela consciência, da morte e da ressurreição. Sugere uma assimilação na alma das forças de ressurreição de Cristo, forças de vida que vencem a morte.

Talvez seja um momento até de estarmos em transformação, pois, transformação implica na morte de algo velho para que o novo possa surgir. E um novo baseado em ideais que muitas vezes deixamos “adormecidos”.
 
Helena Maria de Jesus

terça-feira, 19 de fevereiro de 2013

Pedagogia Waldorf: um bem social

 Escrito por Dr. Paulo Neves Júnior

Poderia um médico opinar sobre pedagogia?
Minhas filhas estudam em uma escola de Pedagogia Waldorf: a Escola João Guimarães Rosa. Ribeirão Preto tem a oportunidade de ter a pedagogia mais indicada para ser oferecida às crianças, e por isso ofereço minha visão a respeito.
A perspectiva do que é o ser humano do ponto de vista da Antroposofia pode ser retirada dos textos do Antroposofiando. Quem quiser acessar os artigos é só clicar no site do Peregrino, no setor de Antroposofia. Quem quiser ir atrás de mais literatura, veja os sítios na internet da Editora Antroposófica (www.antroposofica.com.br) e João de Barro (www.editorajoaodebarro.com.br).
No início de minha vida profissional demorei a compreender o que Rudolf Steiner propunha ao dizer que uma pedagogia exercida de forma correta teria um caráter de medicina preventiva. O que uma coisa tinha a ver com a outra? Eu me perguntava. Hoje entendo perfeitamente o que ele dizia. Uma pedagogia antroposófica propõe o ensino de acordo com a fenomenologia do desenvolvimento das crianças. Steiner lançou as bases dessa concepção pedagógica e quando a vejo sendo praticada dou-lhe plena razão. A Pedagogia Waldorf é mais do que levar uma proposta de saúde às crianças. Baseado na minha observação assim eu aponto:
- observo a professora cumprimentar individualmente a criança ao entrar na sala de aula: a criança aprende a ser saudada, a ser considerada e já recebe, portanto um primeiro contato no dia. As crianças fazem fila para isso e aguardam pacientemente a sua vez. Recebem um gesto de atenção individual, consideração, e aprendem a ter paciência, captam um exemplo de educação;
- as salas de aula têm número pequeno de crianças. Significa que o professor tem mais condição estrutural de conduzir o grupo e naturalmente há mais disponibilidade para atender as demandas individuais;
- as crianças pequenas não são avaliadas pelas formas das clássicas provas: não são levadas a uma situação de estresse tão habitual em nosso meio. Não são instadas a produzir sob essa forma de pressão. E não deixam de aprender por isso! E não formam adultos que só produzem sob pressão;
- a metodologia Waldorf se utiliza do recurso da fantasia para o aprendizado. Os instrumentos da arte permeiam todo o ensino, o caráter e a identidade do método. Isso estimula a criatividade além de evitar que sejam incutidos quaisquer conhecimentos de caráter unilateralmente abstrato. Resulta que as crianças aprendem a correlacionar o conhecimento com o real fenômeno das coisas. Isso evita um ensino baseado unicamente na memória, em que o que é passado para ser aprendido não faz sentido. Seja na conexão dos conhecimentos, seja no porquê daquilo. Como reminiscência, lembro do quanto me perguntava enquanto garoto do que me serviria aquilo que era obrigado a aprender, além de que a escola era uma chatice só...;
- para tal, entre outras ações, também a escola põe no currículo, viagens anuais relacionadas ao conteúdo de cada ano. Uma oportunidade de aspirar e vivenciar um conteúdo vivo, palpável, real (num mundo repleto de estímulos virtuais = não verdadeiro);
- Minha filha mais velha usou de uma tarde inteira para me confeccionar um presente de aniversário. Ninguém a estimulou para isso. Ela tomou sua decisão, bolou o “projeto” e realizou a obra por completo. Afora minha satisfação por esse carinhoso presente, ela demonstrou iniciativa, criatividade e capacidade de execução. Eu sei que isso provém da Pedagogia Waldorf, que é baseada em estimular as crianças a criarem soluções que partam de si mesmas. Por isso tenho dialogado com ex-alunos de escolas de ensino Waldorf e tenho colhido relatos do quanto eles tendem a buscar soluções por livre iniciativa. As crianças são conduzidas a buscarem alternativas de resoluções por si mesmas, então é o ensino de aprender a aprender. E não o de repetir padrões ou usar de métodos bolados por outros. Que é a camisa de força tão comum em nossa sociedade. Caso das provas, não é? Onde se recebe maiores notas, por quanto mais se consegue apenas repetir com maior fidelidade aquilo que foi introjetado. É o equívoco de valorizar as pessoas multiplicarem padrões, o que enfraquece o afloramento das riquezas das diversidades e heterogeneidades individuais;
- quem for a Escola João Guimarães Rosa não pode deixar de olhar para o espaço e a arquitetura. O ambiente foi idealizado em compatibilidade com a sua forma de ensinar. Há uma forma orgânica, com movimento que “diz” algo de positivo aos seres humanos ali presentes. A arquitetura se nutre da mesma visão da pedagogia, buscando um todo harmônico;
- durante o percurso escolar das crianças ao longo dos anos, os pais são estimulados a participarem de diversas ações relacionadas aos seus próprios filhos e à comunidade escolar em geral. Enquanto nas escolas convencionais os pais pagam para não terem responsabilidades, nas escolas Waldorf, eles pagam para serem participativos. A estrutura de gestão praticada leva os pais a serem co-responsáveis por todas as atividades escolares. As festas são realizadas pelos professores, funcionários e pais. As alegrias, as satisfações, o engajamentos dos pais com a finalidade pedagógica leva às crianças exemplos de um acompanhamento conjunto e cuidadoso;
- o que sempre foi praticado, e que era um exemplo, virou lei no terreno pedagógico convencional: as crianças especiais são colocadas junto às crianças sem distúrbios, desde pequenas. O que isso leva? Uma natural observação de um ser em crescimento a ver que outras pessoas têm em si uma inerente dificuldade. Já de cedo se oferece a oportunidade de aprender a lidar com as diferenças, de ter tolerância, de lidar com posturas e ações colaborativas. E no decorrer do tempo, fica muito claro, o quanto as crianças que necessitam de cuidados especiais também são beneficiadas por esse processo;
- a música faz parte da rotina escolar, reforçando a premissa da arte. Suas manifestações elaboradas e adquiridas por cada classe são demonstradas para o público escolar nas chamadas festas semestrais. Ali se pode apreender um pouco do que é praticado dentro das salas de aula. Para mim que não fui aluno de um aprendizado Waldorf, essas festas são momentos tocantes por toda a beleza em sentido mais amplo, aí configurado. Percebo que para o grupo fazer uma apresentação musical, as crianças precisam prestar atenção às outras e sincronicamente saí o resultado de um trabalho de grupo, um exercício de coletividade, onde o amálgama musical junta as diferenças de cada um para formar uma conjunção harmoniosa, com muito treinamento e esforço implícito ali. Enfim, a música entre outros bens espirituais que nos traz, estimula a criança a ser disciplinada;
- as atividades escolares são elaboradas para oferecer uma evolução cognitiva, de acordo com o patamar de desenvolvimento neurobiológico das crianças. Esse bem de imenso valor sugerido por Steiner molda a forma de atuação dos professores: os ensinamentos somente são dados a partir do momento em que o ser humano, naquela fase de crescimento infantil, apresenta-se pronto para acolher o aprendizado. Então nada é levado a uma precocidade tão em voga atualmente. É como se a criança dissesse: agora estou pronta para aprender algo novo e com complexidade diferente. Isso não gera atropelamentos no desenvolvimento infantil e é prevenção para Disfunções Cerebrais Mínimas, por exemplo;
- outro bem: não há estímulos para competição. Há uma segura linha de ensino onde observo que as crianças vão evoluindo em conjunto no adquirir dos novos conhecimentos e com reflexo no comportamento social. Outro dia tive a ótima oportunidade de ver os adolescentes, em fase de saída da escola por estarem terminando seu ciclo, irem brincar de maneira organizada, com as crianças do primeiro ano. Presenciei uma sensível manifestação de alegrias mútuas devido àquela interação;
- Assim a Pedagogia Waldorf, não prepara os seres humanos para a competição, por exemplo, o vestibular. Ela prepara os seres humanos para a vida, para as suas escolhas individuais. Conduz os adultos a resolverem problemas de maneira criativa e partindo de uma livre iniciativa. Quem sabe de seu valor não precisa competir com o outro, não precisa medir forças, não precisa derrubar o oponente. Quem se autodetermina, tem autoestima e certamente adoecerá menos.
Caso alguém queira olhar para os “resultados” da metodologia Waldorf, leia sobre “Os sete mitos da inserção social do ex-aluno Waldorf”, pesquisa elaborada pelo casal de pais da Escola Waldorf Rudolf Steiner de São Paulo, Wanda Ribeiro (socióloga) e Juan Pablo de Jesus Pereira (engenheiro civil e empresário), disponível na home-page da Sociedade Antroposófica no Brasil (www.sab.org.br).
Clínica Médica e Reumatologia Antroposóficas / Consultor Biográfico
Fonte: http://www.alumiar.com/educacao/39-antroposofia/704-pedagogiawaldorfumbemsocial